“As vivências terríveis fazem-nos pensar se o seu protagonista
não é, ele próprio, algo de terrível.”
[Nietzsche]
Não somos todos iguais
em nossas capacidades.
Há terrenos
(situações) muito áridos em que mesmo uma boa semente encontra várias
limitações.
Cérebros são como
computadores, alguns são sofisticados com grande capacidade de cálculos e
projeções outros nem tanto.
Podemos melhorar
o desempenho do cérebro que temos, mas se você não nasceu um Einstein... você
não nasceu um Einstein.
Não adianta
acreditar que com dedicação e força de vontade vai virar um gênio.
É igual ser um
bom corredor de maratona, se você não tiver uma boa genética para esse esporte
com muito treino pode ser um bom corredor, mas ser um campeão olímpico é muito
difícil.
Você pode chegar
ao limite do seu corpo, mas o limite que o corpo do seu concorrente consegue
chegar é maior.
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Sabem quem
morreu?
Um “conhecido
desconhecido” [nunca soube seu nome].
Aquelas pessoas
que você conheceu de vista quando criança sem ter acontecido um contato mais
próximo como amizade, era aquele contato só de cumprimentar.
Morava no Bairro
São Bernardo um garoto com problemas mentais.
No começo
tínhamos medo dele ainda mais quando cresceu e se tornou um adolescente alto e
forte, mas se mostrou inofensivo.
Ele era mais de
falar, mexer com as pessoas.
A primeira
lembrança marcante que tenho dele é que começou gratuitamente a me chamar de
“bicha”.
Era o cara me ver
e já ia perguntando: “Onde vai
bichinha?”
Eu não dava
atenção aí ele gritava: “Vem aqui
viadinho!”
Caraca! Aquilo já
estava virando um incomodo.
Na minha fase de
manequim as pessoas comentavam que eu era gay, mas eu nunca me importei,
acontece que o cara ficava gritando no meio da rua.
“Vai passear viadinho?”.
Apesar de sua
deficiência mental não teve jeito um dia corri atrás dele disposto a alguma
violência se preciso fosse.
O cara corria pra
caramba! Parecia o Forrest Gump...HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAAH!
Não consegui
alcança-lo, mas pelo menos ele parou de ficar gritando comigo.
Os anos foram
passando, a partir da “correria” ele me cumprimentava respeitosamente.
Torcedor da Ponte
Preta ele sempre comentava sobre o último jogo.
Eu me limitava a
concordar com ele.
“A Ponte jogou bem ontem.”
- É, foi muito
bem.
“Que jogo feio, mereceu perder.”
- Fica para próxima.
Ele ganhava algum
dinheiro limpando caixas de gordura e tirando entulhos de quintais era o que sua limitação mental o
permitia fazer.
Imagino que ele
achava bonito amigos tomando cerveja porque pegou a mania de ficar com uma
garrafa de cerveja na mão oferecendo um gole a quem passasse.
Hoje escrevendo
me parece que ele queria “plantar amigos”, mas quantos querem ser amigo de
deficiente mental?
O máximo que
conseguia colher era ser conhecido ...
Sua família mudou
do São Bernardo, mas ele não conseguia se desligar do Bairro, estava sempre por
lá.
Na feira livre de
Domingo atuava como flanelinha.
Na eleição do
primeiro turno eu e minha esposa passamos na feira para comprar pastéis, minha
esposa ficou no carro, era rápido, não pretendia ficar estacionado, o conhecido
desconhecido pediu dinheiro para uma cervejinha... foi a última vez que o
vimos.
Uma outra mania
que desenvolveu quando mudou de bairro foi fazer o caminho a pé entre os
bairros, com um detalhe, ele gostava de andar no meio do estreito corredor
exclusivo para ônibus da Avenida Amoreiras.
Não tinha jeito
de evitar que fizesse isso, acredito que não tem motorista de ônibus em
Campinas que não tenha conhecido o desconhecido.
Ele morreu atropelado por um ônibus.
Ele morreu atropelado por um ônibus.
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Meu
cérebro não é grande coisa, minha memória deixa a desejar, no entanto reconheço
que minha qualidade de vida foi conquistada com minha capacidade de pensar, uma
capacidade negada desde o nascimento ao conhecido desconhecido.
Colhemos o que plantamos?
Sei lá! Há tantas
coisas que nem temos capacidade de plantar.
No texto “Beira do Abismo” vimos que tantas pessoas colhem coisas boas que
nunca plantaram, tiveram a sorte de ter pais ajuizados.
Quem plantou a deficiência mental no conhecido
desconhecido?
Obra do Acaso,
vontade de Deus, karma resgatado? O protagonista não é ele próprio algo de
terrível?
Sabem quem
morreu?
Já não importa
mais, simplesmente façamos um minuto de silêncio mental em respeito a esses
protagonistas de uma vivência tão limitada...
Conhecido
desconhecido DESCANSE EM PAZ!
De todas as acusações a Filosofia o declara INOCENTE!