“Senti que morrer
devia ser doce... ficar livre para sempre da vergonha, da angústia, da
solidão... de tudo." [Érico Veríssimo - Incidente em Antares]
Quando
morava no bairro São Bernardo no fundo da casa da minha vó Tímira a situação
financeira de minha família não era boa.
Como eu era muito criança não tenho dados em
minha memória para dizer se meu pai era ruim de finanças ou se seu salário era
muito baixo mesmo.
Claro que não podemos descartar as duas
coisas em conjunto.
Só sei que bem antes do dia 10 [dia do
pagamento dele] nossa dispensa de alimentos ficava vazia.
Me lembro de duas passagens que ilustram bem
a situação:
Minha mãe, já envergonhada de pedir comida
para minha vó, me mandou pedir emprestado a ela um pedaço de pão.
Esperava encontrar minha vó sozinha, mas
estavam com ela um tio e uma tia.
Eu iria voltar para traz, mas como perceberam
minha presença e perguntaram o que eu queria... não consegui pensar em nenhuma
boa desculpa então falei a verdade.
-Vó, a mãe perguntou se a senhora empresta um pedaço de pão.
Meu tio era brincalhão, ele me chamava de
marcha lenta porque eu falava muito devagar.
Ele disse algo que me marcou bastante, mas
não fez por mal, era um cara legal.
[Está vivo e com saúde, mas não temos contato, eu
não saio de casa]
Eu era pequeno acho que tinha 8 anos, os
adultos acreditam que nessa idade as crianças não tem um bom entendimento das
coisas.
Entre as coisas que meu tio disse brincando a
que me fez meditar foi:
“A gente só pede emprestado
quando pretende devolver.”
Nisso ele cortou metade de um pão bengala e
deu para eu levar.
Metade de um pão bengala para dividir em 5...
era o que tinha foi o que comemos.
Entender a frase de meu tio me fez
nunca mais pedir comida a ninguém, entendi a vergonha de minha mãe que passou a
ser minha vergonha também.
Nós não tínhamos como devolver algum dia
aquele pedaço de pão.
Não era um empréstimo era uma caridade.
Não lembro se foi a primeira vez que pedi por comida, mas
estou certo que foi a última.
Preferia
morrer que mendigar alguma coisa a alguém era como se a vida passasse a me
assustar mais que a morte.
Aprendi a lidar muito bem com a fome, até
hoje posso ficar muitas horas sem comer sem apresentar grande alteração.
Eu almoço no máximo até as 8 horas da manhã e
só volto a comer alguma coisa ás 8 horas da noite quando chego do trabalho.
Para proteger o estomago eu como uma barrinha
de chocolate lá pelas 3 horas da tarde.
Apesar de comer pouco não sou magro, acho que
meu corpo aprendeu a processar os alimentos com muita eficiência.
A outra lembrança que me veio à mente:
Ter domínio sobre a fome não
aconteceu da noite para o dia.
Era o esperado dia 10, dia que entrava algum
dinheiro em casa, mas isso só acontecia no final de tarde quando meu pai
voltava.
Lembro que eu estudava no período da tarde e já
comíamos muito mal pelo menos há uma semana.
Naquela manhã do dia 10 não tinha
absolutamente nada.
Minha mãe disse que eu não precisava ir à
escola, todos aguardaríamos meu pai chegar.
Do trabalho meu pai passaria no mercado e
traria alguma coisa para comermos.
Sei lá, preferi ir à escola.
Não, não era pela merenda, não lembro porque
mas na minha escola não tinha merenda, as vezes tinha leite com groselha.
Analisando hoje acho que era falta de verba
pública, tinha a cozinha mas não tinha mantimentos, a escola era a extensão do meu lar...
Só sei que naquele dia as horas demoraram a
passar, a sensação de fome foi terrível, cheguei a comentar com um colega...
coisa que raramente fazia.
- Não estou nem ouvindo o que a professora está
falando minha fome é tanta que estou com tremedeira.
Meio sem noção acho que falei alto demais.
A professora me olhou em uma mistura de
espanto e dó.
Perguntou se estava tudo bem, eu sorri disse
que era brincadeira.
Ela não acreditou muito, [minha situação crítica
devia estar estampada em meu rosto] mas faltava pouco para a aula
acabar.
Corri pra casa e felizmente meu pai já havia
voltado.
Minha mãe me deu um prato de arroz e fiquei
um pouco decepcionado não tinha nenhuma mistura!
A mãe me deu um olhar de “fique tranquilo” e
pensei que ela fosse fritar algumas batatas, mas para minha surpresa debaixo do
arroz tinha um ovo estrelado inteirinho só para mim... que alegria inesquecível!
Ovos lá em casa sempre eram divididos, que eu
me lembre foi a primeira vez que comi um ovo sozinho e não era dia de festa...
como Natal.
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Esse texto era para ter sido publicado em
Dezembro, mas acabou ficando esquecido me empolguei com outros temas.
Meu colega Valdemir havia dito
que o Natal não é mais emocionante como no passado.
Esse colega também tem histórico de pobreza
na infância.
Eu disse a ele que o Natal está como sempre
foi um dia de FARTURA e PRESENTES, para comemorar o nascimento de CRISTO.
Acontece que hoje em dia [pelo menos para nós
dois] os dias de fartura estão mais comuns e isso é maravilhoso.
Os bens de consumo estão mais acessíveis,
poucas crianças precisam esperar com ansiedade o Natal para ganhar um carrinho
ou uma boneca...nem celulares e tablets.
É raro uma escola não ter merenda, pelo menos
em Campinas onde moro.
Hoje em dia tem muitos meios de conseguir
comida é raro uma família não conseguir cesta básica em nenhum lugar.
A família que está muito ruim de grana
sempre consegue algum benefício Municipal, Estadual ou Federal.
Outro ponto a favor é que mesmo os mais
pobres reduziram o número de filhos é menos problemático conseguir alimentar 2
ou 3 filhos que 5 ou 6.
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Embora a alegria de encontrar um ovo
estrelado sob o arroz tenha sido algo inesquecível não é uma alegria que eu
considero de boa qualidade ela surge de uma situação difícil, triste.
Eu não gostaria de voltar a situação de ter
tão pouco para comer.
É como aquela alegria/alívio de tirar um
sapato apertado, bom mesmo é usar um sapato bonito e confortável que você “até
esquece que está calçando.”
Não é que o Natal ficou chato são os demais
dias que melhoraram e muitos nem percebem o quanto isso é bom.
São dias bonitos e confortáveis.
Vou desejar a vocês o que desejei ao
Valdemir.
FELIZ TODOS OS DIAS!

Eu quero o sol
Ao despertar
Brincando com a brisa
Por entre as plantas
Da varanda
Em nossa casa
Eu quero amar
É lógico
Que o mundo não me
odeia
Hoje eu sou mais
romântico
Que a lua cheia
Você mostrou pra mim
Onde encontrar assim
Mais de um milhão
De motivos pra sonhar, enfim
E é tão gostoso ter
Os pés no chão e ver
Que o melhor
da vida
Vai começar
[Guilherme Arantes]
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