quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Passagem







 
  “Até hoje, o oráculo familiar, no meu interior (o daemon), sempre se opôs a mim, até mesmo em questões insignificantes, quando eu estava para cometer um engano.

  Mas agora, como vocês podem ver, estou face a face com aquilo que geralmente se acredita ser o derradeiro e pior mal.

  (Condenação a pena de morte)

  No entanto, a voz não me deu sinal de oposição, nem quando deixei minha casa esta manhã nem quando entrei no tribunal.

  Ela permaneceu calada enquanto eu falava e ante tudo o que eu pretendia dizer.

  Em outras ocasiões, ela me fez parar até no meio de um discurso.

  Agora, porém, ela não se opôs a nada do que eu disse ou fiz nesse assunto.

  Como posso explicar isso?

  Deixem-me dizer-lhes: considero o seu silêncio como uma aprovação do que estou dizendo.

  Os sinais costumeiros, por certo, opor-se-iam a mim, estivesse eu caminhando em direção ao mal, melhor do que ao bem.

  Meu fim, que se aproxima, não está acontecendo por acaso.

  Vejo, muito claramente, que morrer e pela morte ser libertado será melhor para mim; e, por isso mesmo, o oráculo não me deu nenhum sinal.”


  (Sócrates)




  Antes de prosseguirmos tenham em mente que  não dá para ter certeza sobre detalhes de acontecimentos históricos.

  Muitas obras que atribuímos a Shakespeare (por exemplo) podem não ser dele integralmente.

  O mesmo serve para qualquer pensador do passado.
  Algum "anônimo" elaborou um pensamento, caiu no gosto popular, alguém atribui ao individuo já renomado e assim passa para história.

  Até hoje em dia isso ocorre.
  Alguém desenvolve uma frase (ou meme), isso é compartilhado, e aquele “perfil” mais popular fica com o crédito.
  Quem realmente criou, fez por lazer, não sabia a repercussão que teria, obviamente não registrou nada.
  Isso já aconteceu muito comigo.
  Mas já que o “sucesso” como escritor, filósofo, não dá sinais que irá acontecer, me contento em ver divulgados os argumentos.

  Dito isso ... o texto em destaque é atribuído a Sócrates.
  Ocorreu no último dia de julgamento onde ele poderia ser condenado a morte.

  Sócrates afirmava que desde criança uma “entidade” falava com ele.

  Sobre Daemon (a entidade) eu já li de tudo.

  Que Sócrates era influenciado pelo demônio, que era esquizofrênico, que era só um jeito de se referir a sua imaginação...

  Lendo bastante Platão "minha" conclusão é que Sócrates realmente ouvia alguma voz.
  (Praticamente tudo que sabemos sobre Sócrates foi escrito por Platão, um discípulo.)
                            
    Sobre a esquizofrenia, não encontrei ninguém acometido por esta falha cerebral capaz de concatenar grandes pensamentos.
   O esquizofrênico fala coisas sem sentido porque vê e ouve coisas que não estão acontecendo de fato. 
   Quando não está em “crise” é uma pessoa normal.

  Embora eu nunca tenha ouvido nenhuma voz, já estive diante de situações que eram como estar em areia movediça, sentia que nada que eu fizesse pudesse mudar minha situação.
  A subversão da lógica.

  Sócrates se defendeu das acusações brilhantemente, supomos que não era sua vontade morrer naquele momento, mas estranhou que seu daemon permanecesse em silêncio.
  Ele interpretou que já havia chegado a hora e não lhe cabia mais fugir da sua “passagem”.

  Alguns escritos dizem que Sócrates morreu calmamente, mas a ciência nos diz que a morte por ingestão de cicuta não é nada suave.



  Cicuta é um grupo de plantas altamente venenosas nativas às regiões temperadas do hemisfério norte.
  As plantas têm pequenas flores brancas ou verdes, dispostas em forma de guarda-chuva.
  É considerada a planta mais venenosa da América do Norte.
  Contém uma toxina que provoca convulsões.
  O veneno é encontrado em todas as partes da planta, mas é mais concentrado nas raízes, que por sua vez são mais potentes na primavera.
  Além das convulsões quase imediatas, outros sintomas incluem náuseas, vômitos, dores abdominais, tremores e confusão.
  A morte geralmente é causada por insuficiência respiratória ou fibrilação ventricular e pode ocorrer poucas horas após a ingestão.”


  Não estou conseguindo prosseguir com esse texto, não sei explicar, simplesmente uma tristeza profunda está sobre mim.

  Espero ser forte igual o companheiro Sócrates quando chegar minha hora.
  Não tenho a companhia de um Daemon, mas tenho a lógica, ela me dirá quando permanecer vivo não valer mais a pena.

  Que minha “passagem” não seja sofrida como foi a de Sócrates. 
  Do outro lado espero “luz” ou “aniquilação”.
  Encontrar “trevas” (sofrimento) seria uma infernal decepção.


  “Mas eis a hora de partir, eu para morte, vós para a vida.
    Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, exceto os deuses.”
    (Sócrates)





  "Eu, Meleto, filho de Meleto, acuso a Sócrates de corromper os jovens, de não reconhecer os deuses que a cidade reconhece, DE CRER NOS DEMÔNIOS E DE PRATICAR CULTOS RELIGIOSOS ESTRANHOS CONTRA OS OUTROS...-

 

  Eu, Meleto, filho de Meleto, acuso a Sócrates de imiscuir-se em em coisas que não lhe dizem respeito; de investigar sobre o que há embaixo da terra e o que há sobre o céu e de discutir com todos e acerca de tudo, tentando sempre fazer parecer como melhor.

  Por estes delitos solicito aos atenienses que o enviem à morte!"


  (Julgamento de Sócrates)





    ➥Espiritualismo





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