Me acostumei a ser
invisível na maior parte do tempo.
Ainda me lembro de quando acreditava que
estava sempre visível.
Ficava
conferindo cada detalhe no espelho, afinal eu estava saindo para rua e “todos”
iriam me olhar.
A roupa preta não podia ter nenhum fiapinho branco,
o cabelo não podia ter um cacho se destacando dos demais.
Tinha que tomar cuidado para não falar "pourta"
ou "craro", daquela forma caipira paulistana, afinal todos estavam me
escutando.
Fui descobrindo minha invisibilidade aos poucos.
Na maior parte do tempo as pessoas não ouviam
o que eu falava, não prestavam atenção em mim.
Não lembram da camisa que vesti ontem, quanto
mais de um fiapo grudado nela.
Se eu estiver totalmente descabelado, um ou outro
irá notar, mas um cacho rebelde não chama a atenção de ninguém. ... ninguém vai
notar.
Lembro que uma das piores coisas de andar de moto
era que eu tinha que andar com pente, creme de pentear, espelho pequeno, de preferência
localizar rapidamente um banheiro (não podia me arrumar em público).
Ao tirar o capacete tinha que ajeitar meu
cabelo, afinal todos estavam sempre me olhando ... qualquer coisa fora de
um padrão eu seria motivo de chacota.
Depois que descobri minha invisibilidade,
apenas tiro o capacete, dou uma ajeitadinha com a mão (em público mesmo) e não
penso mais nisto.
Você está com dó de mim, acredita
que preciso passar por um tratamento psiquiátrico?
Tenho uma coisa para te contar.
Você
também é invisível.
Quanto maior a população
da sua cidade menos visível você fica.
Você estava do meu lado na fila do banco!?
Não te vi, não
lembro de você e poucas pessoas que estavam ali lembrarão depois de pouco tempo.
Você mulher pode ter um traseiro da
hora, belos seios, mas há tantos belos seios e traseiros, o seu é só mais um na multidão.
Você homem é
presidente de uma grande empresa?
Há tantas empresas e todas elas tem um presidente,
não me lembro nem de todos Ministros da Republica porque lembraria de
você?
A
maioria das pessoas tem a "ilusão de importância".
Acreditam que todos estão sempre dando
atenção a elas. (Ou deveriam dar)
Outras descobrem cedo que são invisíveis,
incomodadas com a invisibilidade adotam visual extravagante, usam objetos ou se
comportam de forma a chamar atenção.
Sou bem adaptado a
invisibilidade.
Não ligo de ser invisível na maior parte do
tempo, para a maioria das pessoas.
Me dá até serenidade.
Vejo gente que fica neurótica se não recebe o
bom dia de alguém, eu não, em uma cidade grande com tantas pessoas se eu for
dar bom dia para todo mundo ... é muito cansativo.
Cumprimento só as pessoas mais próximas ou as que
a boa educação sugere.
Cuido da minha aparência, mas não fico neurótico
diante do espelho, afinal sou invisível.
Nascem tantas pessoas todos os dias,
quando eu nasci fui só mais um número.
Morrem tantas pessoas todos os dias, quando eu morrer serei só mais um
número.
Sou “especial” para familiares e colegas mais
próximos.
Em um planeta tão cheio de gente ... família
e amigos são uma pequeníssima ilha na imensidão do oceano de pessoas.
--Link |
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