“Haja ou não deuses, deles somos servos.”
.
(Fernando
Pessoa)
Essa provocação nos remete a religião, mas vamos passar ao lado dela.
No Brasil, há décadas, temos bastante
liberdade de expressão.
Ocorreu repressão no regime militar (até 1984), mas era maior só se você tinha alguma intenção de
derrubar o regime através de guerrilha ou algum movimento que os militares
considerassem “subversivo da lei e da ordem”.
Mesmo que não fosse subversivo, não poderia
parecer subversivo.
Se o censor entendesse que um pensamento seu
pudesse induzir outros a alguma “revolta” o que escreveu seria apagado, você passaria
a ser investigado.
Em resumo, mesmo que você fosse alienado
politicamente, não se importasse com regimes econômicos ainda assim precisava
se policiar sobre o que fazia.
Para não ser “mal interpretado” e sofrer as consequências.
Vamos a parte que “me”
importa.
Deuses não sei se existem, mas tradições
existem e delas somos servos.
Sou considerado arrogante, estranho, chato, antipático
... porque me liberto de certas convenções sociais.
Já li inúmeros livros, mas tenho predileção
pela “filosofia” diluída em filmes.
Não é à toa que meus dois avatares são personagens
de filmes.
Lembrei de um episódio de Seinfeld que ilustra bem essa meditação.
O episódio inicia com a Elaine desanimada,
dois pedaços de bolo na mão, cantando um tedioso parabéns pra você.
Qual a razão do tédio dela?
Estava cansada de tantas comemorações, de
tantos sorrisos forçados, a empresa tinha mais de 200 empregados, quase todo
dia era aniversario de alguém.
Lembrancinhas, lista de contribuições para pessoas
que ela apenas falava oi.
Não tinha relacionamento, eram conhecidos que
ela nem lembrava o nome direito.
Chegou o aniversário da Elaine, tive um
ataque de risos.
Um grupo chega a sala dela com bolo, cantando
e ela dispara:
“Gente, para que nos enganarmos, aqui somos
todos infelizes, com esse monte de doces e salgados vamos ficar gordos.
GORDOS INFELIZES!”
Todo mundo sai da sala triste cabisbaixo e
quando eu pensava que já tinha rido tudo que podia uma gordinha do grupo diz:
“Nós ainda
podemos comer o bolo né?
Ela não estava nem aí com crises existências,
seu vazio ela enchia com comida. 😆 😆
Elaine não é contra as comemorações e
confraternizações ela só não quer ser obrigada a isso, não quer ser “serva”
desta tradição, dos deuses da confraternização no trabalho.
Eu,
William, nãos sou contra comemorações e confraternizações.
Só não quero ser obrigado a isso, não quero ser “servo” dessa tradição.
Se você gosta desse tipo de confraternização
por favor continue, esse texto não é nenhuma crítica a quem gosta.
Acontece que tem muitas pessoas que não dão importância
a isso, eu sou uma delas, a diferença é que torno público.
Eu me vi na Elaine porque não gosto de me
entupir de doces e salgados.
Já perdi boa parte do meu tempo fazendo
coisas que não me davam nenhum prazer e ainda pagava por isso!
Contribuir para lista de presentes ou
festinha, só para pessoas que realmente são próximas.
A recepcionista do quarto andar pode ser
maravilhosa, desejo tudo de bom pra ela, mas se não temos nenhuma
proximidade...
Contribuir com a festa de jeito nenhum me
obriga a ir.
Não gosto de ficar me entupindo de comida, já
disse.
Não preciso estar diante de dezenas de
pessoas para falar “feliz aniversario” a alguém.
Percebem?
Dar algum dinheiro é rápido.
Dizer parabéns é rápido.
Confraternizações são demoradas.
24/10/23 |